Nosso 5º encontro foi sobre o tema da confiança. A atividade que eu havia preparado não era exatamente essa, mas a dinâmica do grupo levou naturalmente a aprofundar esse assunto e tudo correu de maneira muito fluida. Cada exercício encaminhava para o próximo e a energia do grupo foi ficando cada vez mais coesa.
No teatro, o ator deve estar com a percepção aguçada e aberta para sentir o que a platéia necessita naquele exato momento, e assim dosar sua energia e suas dinâmicas. Acredito que o professor também tem essa sabedoria de saber “ouvir” o que seus alunos necessitam no momento e ter a liberdade de corrigir a rota em pleno vôo. Confiar na vida e seguir o fluxo com o mínimo de resistência. Essa foi nossa experiência do dia.
Começamos com nossa tradicional roda de nomes, para estabelecer o momento de encontro e reforçar ainda mais o nome de cada pessoa. Dessa vez, no entanto, usamos uma bola para lançar ao companheiro enquanto se fala o seu nome. Logo em seguida fizemos um exercício também com a bola. Com o grupo espalhado pelo espaço, devemos lançar a bola de uma pessoa a outra apenas dando um toque com a mão, sem segurá-la ou parar o jogo. O objetivo é não deixar a bola cair no chão. Todos contam juntos: 1, 2, 3, 4... até a bola cair. Quando ela cair, recomeçamos a contagem do número 1. Jogos lúdicos são sempre interessantes para descontrair e criar integração no grupo.
A seguir realizamos um exercício em duplas. Sem tocar no corpo do companheiro, os dois juntos devem procurar ir preenchendo os espaços vazios no corpo do companheiro, criando uma “dança” juntos. É importante manter a calma e realizar movimentos lentos, sem pressa, para ir encontrando um fluxo natural de gestos que harmonicamente vão criando seu caminho. Aqui já é possível identificar sinais de ansiedade ou resistência em se entregar ao fluxo orgânico.
Na seqüência realizamos outro exercício em duplas, agora com contato. Começando de costas um para o outro, os parceiros dever apoiar o seu peso sobre o corpo do companheiro, de forma que o equilíbrio esteja sempre compartilhado entre os dois corpos. A partir daí, devem ir criando movimentos para encontrar outras possibilidades de manter o contato e o equilíbrio compartilhado. Essa atividade já exige um grau maior de disponibilidade de entrega e confiança no parceiro. Os dois são responsáveis por dar apoio e inspirar sensação de confiança ao companheiro.
Continuando, realizamos o exercício do “João Bobo”. O grupo permanece em roda bem fechada e alguém se coloca no centro. Essa pessoa do centro deve permanecer com o corpo ereto e rígido, sem dobrar o corpo em nenhum ponto e com os pés juntos e fixos no lugar. Ele fecha os olhos e entrega o peso do seu corpo para que os companheiros da roda o segurem. Então a roda vai apoiando, sustentando e deslocando o corpo do companheiro para vários pontos do círculo, como se fosse um João Bobo. É importante que todos na roda estejam bem enraizados, na posição de “samurai” ou “sentar no cavalo”, com as pernas afastadas e joelhos dobrados. Dessa forma eles transmitem confiança à pessoa que está no centro. Esse exercício requer já um grande grau de confiança no grupo e é possível identificar que tem mais disponibilidade para aceitar e se entregar sem medo.
Na seqüência realizamos vários exercícios onde o grupo deve trabalhar de olhos fechados. Na primeira atividade, em duplas, um parceiro fecha os olhos e o outro o conduz para um passeio andando pela sala, apenas mantendo contato através da ponta do dedo indicador de cada um. Quem está conduzindo deve manter-se muito atento e cuidar para que não haja trombadas e assim inspirar total confiança no parceiro. Depois invertem o condutor e conduzido para que os dois passem pelas duas experiências. A seguir, realizamos o mesmo exercício, mas agora sem nenhum contato físico. O condutor deve indicar a direção apenas dizendo o nome do seu parceiro que, ainda de olhos fechados, vai se deslocando pela sala tendo como referência apenas a voz do seu companheiro. Isso vai aumentando a exigência de confiança e destemor. Sugiro que esse exercício termine num abraço, que inspira acolhimento e cuidado.
Depois colocamos duas marcas num canto da sala, afastadas mais ou menos um metro e meio uma da outra. Um por vez, cada membro do grupo deveria cruzar a sala na diagonal em linha reta, de olhos fechados, procurando chegar exatamente entre as marcas. Uma pessoa fica atrás da chegada para acolher o parceiro e delimitar o fim do trajeto. É possível também propor que o trajeto seja percorrido correndo. Nesse exercício, é visível a resistência que temos no corpo em termos de entrega. Em muitos casos, o corpo desacelera e freia muito antes de alcançar o ponto de chegada, mesmo sabendo que há alguém para marcar o ponto de finalização.
Logo após, solicitamos que todos fechassem os olhos e andassem pela sala num ritmo que sentissem que fosse confortável e seguro, caso esbarrassem em outra pessoa. Deve-se andar tranquilamente, sem colocar os braços à frente. É interessante porque, no início ocorrem várias “trombadas” e a maioria se sente um pouco perdida. Mas conforme o exercício continua, as pessoas começam a exercitar outras formas de percepção, como o sons de passos, as vozes, os sons da rua, o deslocamento e a temperatura do ar quando se aproximam de outra pessoa, e aí os movimentos se tornam mais harmoniosos e diminuem os esbarrões. Isso requer maior grau de concentração e contato com as próprias sensações, uma escuta aprimorada do próprio corpo, e conseqüente confiança nessas sensações.
Para terminar essa seqüência, colocamos uma música e convidamos todos a dançarem pelo espaço também de olhos fechados, colocando em ação essas novas formas de percepção. É estimulante notar como estão mais tranqüilos, mais enraizados e mais entregues ao fluxo. Esse fluxo é indicado pela música, mas também pelas sensações físicas, pelo corpo, pela vida que está vibrando entre os corpos e preenchendo a sala toda. A seguir fizemos uma roda para comentar as percepções de cada um.
Aqui acredito ser importante enfatizar alguns comentários. É muito importante que o corpo experimente na prática situações que inspirem confiança, como os exercícios que foram realizados com o grupo. Cada vez que se passa pelo exercício, a experiência vai sendo reforçada e ganhamos também em autoconfiança. Por outro lado, todos têm histórias de vida que em algum momento foi marcada por situações difíceis, que inspiraram medos, desconfianças, recolhimentos. Isso tudo fica marcado no corpo como um mecanismo de defesa que naturalmente tem medo de repetir a experiência negativa. Acredito que não devemos brigar com essas resistências, elas tiveram a sua função de proteção. É mais produtivo aceitá-las e acolhê-las, para passar a reforçar agora experiências afirmativas. Pode haver grande rigidez, medo e resistência, o que gera uma primeira impressão de dificuldade de contato e até de agressividade. O desafio é encontrar uma brecha onde ainda há uma centelha de vida vibrando, mesmo que frágil, para colocarmos ali o nosso foco e, muito pacientemente, ir afirmando essa parte para que ela se fortaleça e se expresse de maneira cada vez mais potente. Para isso, é preciso afinar a sensibilidade e verdadeiramente olhar para aquele ser, para ter a possibilidade de criar maneiras efetivas de cativá-lo, maneiras essas que sempre serão singulares, personalizadas e únicas. O professor também é um criador, um poeta, um artista do seu ofício.
Após o intervalo, voltamos a fazer o exercício individual de improviso baseado numa música que seja significativa para o participante. Cada um é convidado a trazer a sua música. Ele deve entrar em cena, se colocar em posição e deixar seu corpo fluir naturalmente a partir dos estímulos da música, criando uma dança pessoal. Essa dança não necessita de referências, não precisa ser certinha, nem seguir nenhum modelo. O importante é que ela faça total sentido para quem a executa, que traga prazer e alegria, que liberte os afetos e emoções criando imagens através do movimento. O grupo assiste cada performance e depois comenta.
Tivemos a grande alegria de testemunhar três apresentações que foram verdadeiros presentes. Todas extremamente vibrantes, cheias de energia e prazer. Essa vitalidade colocada em movimento é altamente contagiante. Os companheiros que assistiam relataram, animados, a vontade de também se lançar ao movimento imediatamente.
Percebeu-se assim, de maneira muito prática, na ação, que quando alguém toma posse da sua vida por inteiro, quando se permite dilatar e vibrar o corpo com alegria, isso necessariamente estimula os demais a fazer o mesmo. Expressar o meu melhor convida a todos a expressarem também o seu melhor. Acredito que essa seja uma atitude política das mais eficazes. Afirmando a minha alegria, meu corpo e os meus talentos, eu mostro que isso é possível e contagio os demais a seguirem também os seus mais vibrantes desejos de vida.
Terminamos numa roda onde cada um deveria criar um som. Um de cada vez foi somando seu som ao anterior até toda a roda criar uma grande sinfonia, tornando concreta a música que já estava, de alguma maneira, vibrando na sala.
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