quarta-feira, 20 de abril de 2011

3º encontro - Relato


Este é o relato do terceiro encontro do Projeto Corpo-Educação-Arte, com alunos e professores de escolas públicas. Estamos tratando das questões da escola e da educação através de atividades corporais práticas, buscando a ação que fortaleça a vida pulsante, livre e criativa em cada corpo.

Como atividade de aquecimento, logo após um breve alongamento, fizemos um dinâmica livre acompanhada de música. Cada um pode se movimentar pelo espaço criando seqüências de movimentos próprias para despertar o corpo e prepará-lo para o trabalho criativo. É a sua dança pessoal. Recomendamos dar atenção para as articulações. Também é importante perceber a alegria e a diversão ao se movimentar. Aos poucos todos podem ir se deslocando pelo espaço e estabelecendo encontros e relações com os demais participantes.

Realizamos também o exercício de espelho em duplas, onde os parceiros frente a frente realizam movimentos como se estivessem na frente do espelho. Cada um comanda os gestos alternadamente, conforme a instrução do coordenador, que bate uma palma sinalizando a troca de comando. Essa é uma atividade que possibilita estudar o movimento do outro e se colocar no seu lugar, experimentado sua lógica de pensar com o corpo, seu ritmo, suas dinâmicas, sua respiração. Ao trocar de duplas, podemos experimentar todo um novo universo de modos de se movimentar. Isso gera empatia e compreensão mais profunda sobre a vida e a história de cada parceiro. Esse exercício foi progredindo para a experiência em grupos e finalmente para uma grande roda onde um comanda e os demais espelham. O coordenador dá o sinal para a troca de comando. Na grande roda, é visível o grau de sintonia do grupo e a intensificação de energia que acontece quando todos estão empenhados na mesma ação.

A seguir, realizamos uma breve revisão dos exercícios de base que introduzimos no encontro anterior, principalmente a atenção detalhada ao movimento do andar (decupagem do andar) e o “sentar do samurai”. A seguir, ativamos o andar buscando caminhar em direção a um foco bem definido, com atitude e firmeza, tendo consciência de como o seu contato com o chão pode ser uma alavanca essencial para abrir seu caminho em direção ao seu desejo, sem recuar ou desviar-se do foco.

Após dar a ênfase à importância da base, do enraizamento e da relação do corpo com a força da gravidade, passamos à próxima etapa, que é, confiante do seu espaço e da sua raiz nele, poder projetar-se com energia para o espaço à sua volta. Essa é a experiência que chamamos de “vetores”. Temos a gravidade que estabelece o “vetor para baixo”, mas que imediatamente define o seu oposto, o “vetor para cima”, que nos coloca em conexão com o teto, com o céu, com o projetar-se para o alto. Fizemos uma dinâmica para dar atenção detalhada à coluna. Em duplas, um parceiro dobra o corpo para a frente, matendo o peso sobre as pernas, os joelhos flexionados e deixando a cabeça solta para baixo. O outro parceiro, suavemente vai “caminhando” com dois dedos ao longo da coluna, de baixo para cima, colocando o foco na seqüência de vértebras da coluna. Quem está sendo trabalhado vai desenrolando a coluna, encaixando uma vértebra depois da outra, com calma, seguindo o caminho apontado pelo parceiro. A cabeça deve ficar sempre solta, o queixo grudado no peito e será a última a desenrolar. Dessa forma damos uma atenção detalhada para a coluna, as vértebras e o espaço entre elas. Ao voltar a postura ereta, o parceiro dá um estimulo “para cima” puxando um pequeno bloco de cabelos na parte mais alta da cabeça, para enfatizar o processo de alongar e crescer a coluna. Também é importante dar atenção à região da nuca, que também deve se ampliar na vertical e não se dobrar fechada para trás. O queixo permanece paralelo ao chão. A sensação é como se houvesse uma linha amarrada no topo da sua cabeça puxando seu corpo para o céu, como um marionete. Fazendo esse exercício, muitas vezes é possível visualizar um crescimento real na altura de algumas pessoas, que surge da percepção de poder alongar a coluna e abrir espaço entre as vértebras.
No pensamento, acontece a percepção de “eu posso ocupar o meu espaço e meu real tamanho”, uma atitude de autoconfiança para se expressar e dar sua opinião.

A seguir, realizamos exercícios para experimentar na prática os outros vetores de projeção no espaço. Um bem importante é o “vetor para frente”. Colocar em ação a intenção que te empurra em direção ao seu desejo. Uma atitude de prontidão e de disponibilidade de entrar em ação imediatamente, abrindo o seu caminho pelo espaço de maneira confiante, sem hesitar ou recuar. Como o cavalo de corrida que sairá em disparada assim que se abrir a porta da sua baia. Usando a consciência da base e do enraizamento, esse vetor se fortalece e o corpo ganha tônus, firmeza e atitude. Há um ganho de confiança e poder de superar os obstáculos do caminho. “Eu vou para lá, e se houver algum obstáculo, tenho confiança de que poderei lidar com ele e superá-lo”. Na prática, esse exercício revela como algumas pessoas têm essa experiência mais incorporada e outras demonstram hesitação, fazendo o corpo oscilar sutilmente para trás. Isso pode revelar também um “pensamento oscilante”, hesitante, indeciso. Experimentar fortalecer essa experiência no corpo também fortalece a firmeza de pensamento e estimula a autonomia de atitude.

Na seqüência, fizemos a mesma experiência com o “vetor para trás”, uma ampliação do gesto também no sentido contrário ao movimento, para dilatar seu espaço de abrangência. A sensação é de “deixar sua marca no espaço”, sua assinatura: “eu passei por aqui”. Também ajuda imaginar grandes asas nas costas ou um grande manto, que deixa rastro da sua passagem por aquele espaço. E também podemos imaginar vetores laterais, que projetam e ampliam nosso corpo para os lados.

Podemos imaginar e incorporar vetores para todas as direções. Acionando todos esses vetores, temos a experiência orgânica de dilatar, de ampliar nosso corpo. Somos mais amplos do que estamos acostumados a vivenciar no dia-a-dia. Nosso corpo (corpo-pensamento-emoção-intuição) pode ocupar mais espaço. Nosso desejo pode se expandir e dar sua essencial contribuição ao mundo.

A seguir, realizamos uma introdução a conceitos básicos da Mímica, técnica que nos possibilita criar imagens no espaço contando apenas com os recursos do nosso corpo. Podemos criar e manipular objetos, formas, dimensões e superfícies de maneira muito clara, sem precisar de nenhum objeto real. É um recurso lúdico que abre espaço infinito para imaginação criar imagens das mais inusitadas. É também um processo de estudo de movimento e de precisão de gestos. Para realizar uma simples ação de pegar um copo de água, precisamos pensar em cada mínimo movimento, de cada articulação, para que cada detalhe fique muito claro. É um desafio para estar presente e não se afobar pensando no que será feito depois. Trabalhamos os conceitos de espasmo (clique), tamanho, forma e peso, para começar a experimentar a criação de um objeto no espaço. Como pegamos um pedaço de papel? Como pegamos um copo que está sobre a mesa e o levamos para outra posição na mesa? E uma garrafa vazia? E uma garrafa cheia? E uma tigela? Como deixar claro seu tamanho, seu peso? Como eu uso tudo isso para criar a imagem de que estou na mesa tomando um café com leite? Como pego a xícara? Qual é a seqüência de gestos? Onde está cada objeto sobre a mesa? Todo esse estudo ativo de movimento estimula o pensamento no sentido de precisão e de clareza na expressão das nossas idéias.

Depois realizamos uma seqüência de improviso onde uma pessoa começa a contar uma história usando a mímica, sem falar, só usando os movimentos do corpo para criar imagens. Num dado momento a história é interrompida e outra pessoa do grupo deve dar continuidade à ação que está sendo narrada. É um exercício divertido que estimula a criatividade, já que não há limites para as imagens que podemos criar. Também é instigante a forma lúdica como as imagens ficam marcadas no espaço e podemos “visualizar” e compartilhar paredes, salas, escadas, ruas, ônibus, pessoas, escritório, carros, infinitos objetos que não existem no espaço, mas que para nós parecem reais.

Por fim, realizamos improviso individual com música. Pedimos que cada um trouxesse uma música que gostasse muito, que fosse emocionante de alguma forma. Tivemos tempo para dois improvisos individuais. Ana Sylvia trouxe uma música suave e melodiosa (Milton Nascimento) e fez movimentos com dinâmicas circulares que revelavam delicadeza e também uma forte emoção. Apesar de um breve nervosismo natural ao iniciar, seu corpo foi ficando mais confiante com os movimentos e a emoção pode fluir mas amplamente, criando uma poesia toda particular no espaço. 

Marina trouxe uma música festiva e alegre (New York, New York) e foi ousada ao expandir seu corpo pelo espaço, criando uma dança muito pessoal e divertida. Era muito evidente sua alegria e diversão ao brincar com o corpo, sem se apegar a convenções do que seria “uma boa dança”. Todos se contaminaram pela alegria.

Quando um corpo ousa se dilatar no espaço, se expressando de maneira firme e confiante, contagia os outros a fazerem o mesmo. Criamos uma corrente positiva de potência e multiplicidade criativa. Todos saem mais fortes.

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